La cartuja.Vida contemplativa

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A ALEGRIA DE SER MONJA CARTUXA

 

MESTRE, ONDE MORAS?

VINDE E VEDE

 

Jesus lhes disse: "Que estais procurando?" Responderam-lhe: “Mestre, onde moras?” Disse-lhes: "Vinde e vede". Então eles foram e viram onde morava e permaneceram com ele aquele dia. (Jo 1, 38-39)

 

 

Talvez você também esteja procurando Jesus e queira encontrá-lo.

Ele está nas encruzilhadas dos caminhos.

Está lhe convidando a seguí-lo.

Se você o escuta, verá onde mora, onde ele quer que você permaneça com ele.

 

Se ficamos de olhos abertos e nos preparamos para acolhê-lo, o Senhor certamente nos ilumina.

 

Ele convidou as monjas cartuxas a seguí-lo no deserto. "Jesus foi conduzido pelo Espírito para o deserto". (Mt 4,1)

 

No “deserto” dessas monjas não há areia nem oasis. É o deserto de uma solidão monástica, um lugar de silêncio onde – com os irmãos do mundo no coração – elas estão escondidas em Deus.

 

O Cristo as faz participar da sua morte e ressurreição. Ele atrai para a descoberta de seu amor e de sua alegria todos aqueles que se fazem disponíveis para ele.

 

Se você não conhece o caminho que o Senhor deseja vê-la tomar, talvez queira refletir com Ele sobre alguma eventual pista... Por isso, da nossa parte, propomos a você, a título de documentação e sob forma de diálogo, a entrar um pouco na vida das monjas cartuxas.

 

Talvez você possa encontrar um pouco de luz para direcionar a sua vida a certos valores que nunca estarão ultrapassados, e possa descobrir neles a paz e a alegria que o mundo não pode lhe dar.

 

 

 

1. A VOCAÇÃO

 

- Quando uma jovem aspira entrar na Cartuxa...

- Normalmente nos escreve.

- A quem?

- De preferência à Madre Priora

- Quem lhe responde?

- A Mestra de noviças, que lhe envia uma carta e um opúsculo informativo e a convida a iniciar o discernimento com o envio de um breve “curriculum vitae” da aspirante.

- E depois?

- Se persiste em seu propósito, e se, a partir do caminho percorrido, se pode pensar em uma vocação autêntica, a aspirante é convidada a passar uns dias na Cartuxa.

- Como passará esses dias?

- Para que a experiência seja válida, a aspirante vive com a comunidade, seguindo os mesmos horários.

- Essa experiência esclarece alguma coisa?

- Depois de vários dias a aspirante terá uma ideia bastante aproximativa da vida que deseja abraçar.

- Quem se ocupa dela durante esses dias?

- A Mestra de noviças a visita com frequência, e com ela a aspirante, em uma relação de confiança, fala sobre a vocação e tudo o que está relacionado a esta.

- Qual é precisamente a finalidade desse diálogo?

- Aprofundar a espiritualidade cartusiana para ajudar a aspirante a descernir a sua vocação.

- Que motivações não seriam válidas para ser monja cartuxa?

- As desilusões da vida, o desejo de uma vida tranquila, sem problemas, em geral qualquer motivo egoístico. O único motivo válido é a busca dos valores que não passam, a busca mais ou menos claramente percebida (ou ao menos pressentida) de Deus. Procuramos analisar a vocação com o máximo de discrição e paciência.

- Com que idade se pode entrar na Cartuxa?

- A idade mínima de admisão é de 20 anos, mas é aconselhável esperar até os 23 ou 24 para adquirir uma certa maturidade humana.

- Até que idade?

- Sem a autorização especial do Capítulo Geral ou do Reverendo Padre, que é o Superior Geral da Ordem, não se pode receber ninguém que já tenha completado os 35.

- E a autorização é concedida?

- Se a idade não supera muito os 35 anos pode ser concedida, mas a essa idade a adaptação às observâncias da Cartuxa pode ser mais difícil.

- O que a Cartuxa exige quanto à saúde?

- Antes da admisão, nossos Estatutos aconselham a “consultar médicos prudentes que conheçam bem o nosso gênero de vida”. Pequenos desequilíbrios psíquicos que em outro lugar passariam quase despercebidos encontram na solidão da Cartuxa uma caixa de resonância que, aqui, impediriam de viver uma vida normal. Hoje os exames médicos são obrigatórios antes do Noviciado e da Profissão.

- Quanto ao caráter, o que exige?

- A vocação à solidão da Cartuxa exige uma vontade determinada e um juízo equilibrado.

- Então nem todos os caracteres têm as mesmas aptidões?

- Alguns se vêem mais favorecidos no plano natural, mas o que realmente conta é o chamado de Deus.

- Sintetizando, qual é a qualidade essencial que se requer para ingressar na Cartuxa?

- Um ardente desejo de Deus como Absoluto e estar disposta a realizar esse desejo na fé.

- Nesse caminho, qual é a missão da Mestra de noviças?

- Acompanhar a noviça em sua formação e ajudá-la em suas dificuldades e nas “tentações que costumam insiditar os discípulos de Cristo no deserto”.

- Na Cartuxa há algum método específico de oração?

- Normalmente a noviça cartuxa começa sua aprendizagem nos caminhos da oração através da “lectio divina”. Este método de oração tradicional na vida monástica consiste em ler pausadamente uma passagem da Sagrada Escritura e “ruminá-lo” lentamente. Depois, em silêncio, pode-se servir de sentimentos de agradecimento, de louvor, de contrição, que tal texto fez surgir dentro de nós para transformá-lo numa oração ao Senhor. Quando esse texto já não nos diz nada de especial, ou quando sobrevêm as distrações, volta-se a ler uma outra passagem, deixando-a descer lentamente ao coração. Este método de oração é muito simples e reduz notavelmente as distrações. Todo o ambiente da Cartuxa faz com que a monja se deixe possuir pela oração. Certamente requer um tempo e uma aprendizagem que dependem muito da graça pessoal e das inclinações de cada uma. Mas isso penetra na noviça de modo natural, porque ela vive habitualmente na presença de Deus, graças ao contato contínuo e orante com a Sua Palavra no Ofício Divino e nos momentos dedicados à lectio divina.

- Vocês dão muita importância à formação na vida de oração?

- Não poderia ser diferente; a relação com Deus está no centro da nossa vocação. É importante que a oração da noviça tenda a transformar-se num olhar singelo e amoroso ao Senhor, ainda que sejam só os primeiros graus dessa oração de “simples olhar” ou “quietude”.

- Não é exigir demais de uma simples noviça?

- Se a noviça recebe a graça da experiência contemplativa, por mais simples e curta que seja, já estará preparada para superar os momentos de desânimo ou de aridez e as crises que não costumam faltar, principalmente no tempo de noviciado. A jovem monja vai se livrando pouco a pouco da tirania dos sentimentos e das paixões, do forte reclame do mundo sensível, do qual sinceramente se destacou ao entrar na Cartuxa, mas que continua alí, agarrado em seu íntimo. Assim, vai superando aos poucos a dispersão dos sentidos, a superficialidade, a inconstância, e toda a sua vida vai sendo penetrada quase imperceptivelmente da proximidade de Deus. Permanecendo com todo o seu ser no recolhimento e no silêncio interior que invadem seu espírito, lhe são quase conaturais os sentimentos de adoração, de gratidão e de alegria espiritual. Se faltasse esse pilar da oração contemplativa, a vocação estaria sempre exposta ao desânimo, aos vaivéns dos sentimentos mutáveis, ao cansaço, à aridez e falta de gosto pelas coisas espirituais: muitas vezes são essas as causas que estão na raiz da maioria dos casos de abandono da vida monástica.

 

 

2. AS ETAPAS DO CAMINHO

A. O Postulantado

 

- Suponhamos que uma aspirante a monja cartuxa tenha dado sinais de autêntica vocação, no parecer das Superioras da Cartuxa. O que se faz?

- Recebe-se a jovem como postulante.

- O que é o Postulantado?

- É o período de prova que prepara para o Noviciado.

- Quanto tempo dura?

- De seis meses a um ano.

- Que tipo de vida leva a postulante?

- Uma vida muito parecida com a das monjas.

- Exatamente igual?

- São-lhe concedidas certas dispensas para que a sua adaptação à nossa vida seja gradual.

- Como se veste?

- Como secular, mas nos atos comunitários usa um véu e um manto preto.

- Existe alguma cerimônia especial com qual se inicia o Postulantado?

- Sim, mas muito simples. A Mestra de noviças impõe-lhe o manto e o véu, como sinal de separação do mundo e entrada na Comunidade.

- No que a postulante ocupa o tempo?

- Nos momentos não consagrados à oração e ao trabalho, ela inicia a sua formação no espírito da Cartuxa. Também aprende as cerimônias litúrgicas. Há também momentos de distensão, pois “o arco sempre tenso perde a força e torna-se menos apto para o seu ofício”.

- E estuda latim?

- Sim, pouco a pouco estuda o suficiente para poder seguir os livros litúrgicos.

 

 

B. O Noviciado

 

- Suponhamos que durante esses meses de postulantado a candidata tenha se comportado de modo satisfatório…

- Se a Comunidade lhe dá voto favorável, é admitida para o Noviciado.

- Quanto dura o Noviciado?

- Dois anos.

- O que faz a noviça durante esse tempo?

- Ela se forma na vita espiritual aplicando-se ao estudo da liturgia e das observâncias cartusianas. Aprende a trabalhar no recolhimento e inicia um ciclo de estudos destinados a completar a sua formação doutrinal e monástica.

- E onde cursa esses estudos?

- Devido à vocação eremítica da Cartuxa, esses estudos têm lugar na solidão da cela.

- Mas como?

- Em intervalos regulares as noviças prestam contas de seus estudos e pedem as explicações necesárias à monja encarregada de orientá-las e de resolver as dificuldades que possam ter encontrado. Também se pode recorrer a cursos bíblicos ou teológicos por correspondência.

- Como as noviças se vestem?

- Portam um hábito igual ao das monjas que já fizeram profissão, mas a cógula é curta e sem as faixas laterais. O véu que usam é branco.

- O que é uma “cógula”?

- É um vestígio das capas dos antigos pastores da Cartuxa. É composta por dois panos unidos por duas faixas laterais.

 

 

C. A Profissão temporal

 

- Passados os dois anos, a Comunidade deu seu voto favorável. O que acontece depois?

- A noviça é aceita para a Profissão temporal.

- Por que “temporal”?

- Porque ela emite os votos de estabilidade, obediência e conversão de costumes por três anos somente.

- Quais são os efeitos da Profissão temporal?

- A “jovem professa” é definitivamente inscrita nos registros da Cartuxa onde emitiu os votos. Os anos de antiguidade na Ordem passam a contar a partir dessa primeira Profissão.

- E o Noviciado acabou?

- A jovem professa continua a ser membro do Noviciado. A Mestra de noviças continua a acompanhá-la no caminho da sua formação humana e espiritual. No curso desses três anos, aprofunda a formação espiritual e monástica iniciada no noviciado.

- Passados os três anos...

- A jovem professa renova os votos por mais dois anos. Vive com as professas de votos solenes, experimentando assim plenamente a vida que pensa em abraçar definitivamente.

- Continua estudando?

- No último ano habitualmente interrompe os estudos para dedicar-se mais plenamente à oração e à solidão da cela.

 

 

D. A Profissão solene


 

- Já se passaram oito anos de provas...

- Enfim chegou a tão desejada hora da consagração definitiva.

- Dia importante para uma cartuxa?

- Sim, claro. É o acontecimento no qual a Igreja ratifica a chamada de Deus, aceitando o dom total que a jovem professa faz de si mesma ao Senhor.

- A que ela se compromete?

- A viver para sempre e exclusivamente para o louvor de Deus. A Profissão solene é fruto de uma longa corrente de graças às quais a candidata correspondeu generosamente com a sua fidelidade diária.

- O que acontece depois da Profissão solene?

- Sob certos aspectos, esta é mais um começo. A monja cartuxa em um ato sublime se consagrou a Deus. Agora tem de viver essa consagração dia a dia.

- Que sentimentos preenchem a alma de uma monja cartuxa no dia de sua Profissão solene?

- Acho que os mesmos que, com acento lírico, expressou nosso Pai São Bruno na carta aos Irmãos de Chartreuse:

“Alegrai-vos, pois, meus caríssimos irmãos, por vossa feliz sorte e pela abundância de graças que Deus derramou sobre vós. Alegrai-vos por terdes escapado dos muitos perigos e naufrágios do tempestuoso mar do mundo. Alegrai-vos por terdes alcançado o refúgio tranquilo e seguro do porto mais escondido. Muitos gostariam de alcançá-lo, muitos até se esforçam para chegar até ele, sem o conseguir. E muitos outros, depois de tê-lo alcançado, dele são excluídos, porque a nenhum deles se lhes havia concedido do alto.

Portanto, meus irmãos, tende por certo que quem quer que tenha desfrutado de tão grande bem, e por um motivo ou outro o perde, lastimar-se-á por toda a vida”.

- E o que é a Consagração virginal?

- Depois da Profissão solene, as monjas que desejam podem receber a Consagração virginal. O rito da Consagração virginal com o seu aspecto nupcial, estabelece a monja em um dom de pertencer totalmente a Deus.

 

 

3. MONJAS DO CLAUSTRO E MONJAS CONVERSAS


 

- Até agora falamos de postulantes, noviças e professas em geral, mas é verdade que existem diferentes formas de viver o carisma cartusiano?

- Sim, claro. Quando São Bruno se retirou no deserto de Chartreuse com outros seis companheiros, quatro deles viviam sempre na cela, enquanto os outros dois se ocupavam principalmente de trabalhos fora da cela. Foram estes os primeiros “Irmãos conversos” da Ordem. Da mesma forma, dentre as monjas, existem modos diverentes de consagrar a vida a Deus na solidão da Cartuxa.

As monjas do claustro vivem em seus ermos a maior parte do dia, rezando, estudando, trabalhando.

As monjas conversas, levando uma vida de autêntica solidão, além do tempo dedicado à oração e ao estudo, empregam uma parte do dia em trabalhos do mosteiro, fora de seus ermos.

As monjas do claustro e as monjas conversas compartilham sob formas complementares a responsabilidade da missão que incumbe às comunidades cartusianas: fazer com que exista no seio da Igreja uma família de solitários.

- Existem ainda outras diferenças entre monja conversa e monja do claustro?

- Não, porque depois do Concílio Vaticano II foram suprimidas todas as diferenças que não fazem parte da essência da vocação, que é a mesma para todas. De fato, hoje a formação que recebem é igual para todas. 

- Em que consiste o trabalho na Cartuxa?

- Antes de tudo é bom sublinhar que o trabalho das monjas é um trabalho monástico. Elas não são empregadas cuja principal razão de ser é a de fazer funcionar o mosteiro. Quando dizemos que o trabalho delas é um trabalho monástico queremos dizer que se trata de um ato religioso que as ajuda a progredir na prática das virtudes e que as aproxima de Deus.

- Como conseguem em pleno trabalho conservar o espírito de oração e de solidão?

- Os Estatutos da Ordem aconselham a recorrer, durante o trabalho, a breves impulsos em direção a Deus (chamados “orações jaculatórias”). Pode-se também interromper o trabalho para um breve momento de oração.

- Que trabalhos não são permitidos na Cartuxa?

- Aqueles alheios à vida monástica.

- Por exemplo?

- Os que exijam sair do Mosteiro.

- É importante conservar o silêncio durante o trabalho?

- Sim. É muito importante guardar sempre o silêncio. Nossos Estatutos dizem: “Só o recolhimento espiritual durante o trabalho conduzirá a monja à contemplação”.

- Que lugar ocupa o trabalho na vida da monja do claustro?

- Diariamente se dedica a uma ocupação útil às necessidades da comunidade: costura, lavanderia, sacristia, encadernação, secretariado, e todo o tipo de trabalhos realizados na cela, cuidando de manter a libertade de espírito e o silêncio interior.

 


 

4. OS ASPECTOS MAIS CARACTERÍSTICOS DA ESPIRITUALIDADE CARTUSIANA

 

A. Deus só


 

- Diferentemente das ordens religiosas de vida apostólica, que se dedicam à pregação, ao ensino, ao cuidado dos enfermos etc., a que se dedica a Ordem Cartuxa?

- Nossa missão na Igreja é o que tradicionalmente se chama de “vida contemplativa”. 

- O que é, então, a vida contemplativa para uma cartuxa?

- Um mistério que se aproxima do mistério de Deus, de cuja grandeza e incompreensibilidade ela participa de certa forma. Mais além do cuidado pelas coisas do mundo; mais além, inclusive, de todo ideal humano e da própria perfeição, a monja cartuxa busca a Deus. Ela vive só para Deus, dedicada de corpo e alma a louvar a Deus. Este é o segredo da vida puramente contemplativa: viver só para Deus, não desejar mais que a Deus, não querer saber de outra coisa senão de Deus e não possuir mais que a Deus, deixando que Ele dilate nosso coração até que este possa abraçar o mundo inteiro. Aquele que reconhece a Deus como o Bem supremo, compreederá o valor dessa vida de consagração radical que é a vida da monja cartuxa.

- É um lindo ideal.

- É, mas esse lindo ideal exige um clima adequado para acontecer.

- E qual é o clima adequado?

- As nossas usanças e observâncias criam esse clima e revelam assim o seu sentido. Consideradas isoladamente, sem relação com o seu fim, seriam incompreensíveis e não passariam de um monte de práticas estranhas.

- Vejamos...


 


 

B. A solidão e o silêncio


 

- Qual é a palavra que mais se repete na Cartuxa?

- Se alguém se desse ao trabalho de buscar o vocábulo mais repetido nas páginas dos nossos Estatutos, seriam certamente as palavras “solidão” e “silêncio”.

- Sua espiritualidade têm algum slogan?

- A espiritualidade cartusiana é a espiritualidade do deserto.

- É uma tradição?

- Assim afirmam nossos Estatutos quando dizem: “Os fundadores de nossa Ordem seguiam uma luz vinda do Oriente, a dos antigos monjes que, consagrados à solidão e à pobreza de espírito, povoaram os desertos numa época em que a lembrança ainda viva do sangue derramado pelo Senhor ainda ardia em seus corações”.

- É uma espiritualidade que lhes é própria, ou tem fundamentos em outro lugar?

- Na Sagrada Escrutura e na tradição da Igreja.

- Apesar de reconhecer que a solidão é somente um meio, vocês lhe tributam um verdadeiro culto. Por quê?

- Porque, como dizem muito bem os nossos Estatutos, citando Dom Guigo, o quarto sucessor de são Bruno no eremitério de Chartreuse, a solidão é o meio mais apto para a união com Deus: “Não poderíamos ignorar um mistério que antes de mais nada devemos imitar: foi Ele mesmo, o Senhor e Salvador da humanidade, que se dignou oferecer-nos, em sua pessoa, o primeiro modelo vivo da nossa Ordem quando, sozinho no deserto, se aplicava à oração e aos exercícios da vida interior. (...) o gosto pela salmodia, a aplicação à leitura, o fervor da oração, a profundidade da meditação, a elevação da contemplação e o dom das lágrimas, não podem encontrar ajuda mais poderosa que a solidão”.

- Então essa importância que a Cartuxa dá à solidão tem alguma repercussão na estrutura jurídica da Ordem?

- Toda a legislação da Cartuxa tende a conservar e favorecer essa solidão e esse silêncio, que são os traços mais marcantes da espiritualidade do deserto e da espiritualidade cartusiana.

- Pode me indicar alguns aspectos de seus Estatutos sobre a vida de solidão do cartuxo?

- Os Estatutos proíbem à monja cartuxa, por exemplo, qualquer atividade de tipo apostólico, seja a nível de contatos pessoais, seja por escrito, como a publicação de livros, acompanhamento espiritual por correspondência, coisas em si excelentes, mas que não estão na linha da vocação eremítica.

- Tanta rigidez não poderia assustar a Igreja Católica contemporânea?

- Ao contrário, isto é precisamente o que a Igreja pede à Cartuxa hoje. O Concílio Vaticano II disse claramente que o dever dos contemplativos é “ocupar-se só de Deus na solidão e no silêncio... por mais urgente que seja a necesidade de apostolado ativo” (Perfectae Caritatis, 7). Talvez seja “silêncio” a palavra de que mais necessita o mundo hoje.

- Vocês, monjas cartuxas, defendem a vocação contemplativa com a solidão, mas como conseguem se livrar da invasão dos meios de comunicação social?

- Para evitar esse perigo, na Cartuxa renunciamos ao rádio, à televisão, e os Estatutos recomendam prudência com as leituras profanas.

- Então vocês vivem alheias ao mundo de hoje?

- Nossos Estatutos nos falam da necessidade de “viver alheias aos barulhos do século” como algo fundamental para a vida solitária. Mas cabe à Priora o cuidado de transmitir às monjas as notícias que não seria bom que ignorassem, para que a comunidade possa apresentar ao Senhor as necessidades de todos os homens.

- Essa observância dura e peremptória não corre o risco de alterar o ideal espiritual da Cartuxa?

- Toda a nossa legislação sobre o silêncio e a solidão constitue a letra de nossas observâncias. Nelas se reflete o clima propício para a nossa vocação eremítica, mas sabemos muito bem que isso não é tudo e nem o principal.

- Em uma palavra, o que é o essencial para uma cartuxa?

- Que se enamore de Deus até transformar a solidão no lugar privilegiado onde viver o encontro e a intimidade com o Senhor.

- A cartuxa que é fiel a esses princípios é feliz?

- Sim, porque a monja que é fiel à sua vocação compreende que Deus a chama a encontrá-lo na solidão e no silêncio, situados cada vez mais profundamente no espírito.


 


 

C. O repouso espiritual


 

- Solidão e silêncio cada vez mais profundos?

- Isso mesmo, a solidão exterior cria o ambiente propício, necessário para que se possa desenvolver uma solidão mais perfeita, a solidão interior.

- Em que consiste a solidão interior?

- Em um processo espiritual pelo qual a memória, o entendimento e a vondade vão perdendo o interesse e o gosto pelas coisas passageiras. Por sua vez, Deus começa a ser percebido como o único que pode saciar as profundas aspirações do espírito. Só quando a cartuxa descobre, admirada, que enfim é só Deus que a preenche, começa a ser uma autêntica “monja” contemplativa. Esta descoberta produz uma sensação de libertade e gozo interior que é difícil expresar com palavras.

- Esta experiência é algo típico e exclusivo da Cartuxa?

- Não; se trata de um processo espiritual já descrito pelos antigos monges e monjas do deserto que iniciaram a vida eremítica ou cenobítica no Egito e na Palestina: Antão, Pacômio, Eutímia, Evágrio, Hilário e tantos outros.

- Como vocês, cartuxos, o concretizam?

- Acho que todo esse processo espiritual poderia ser resumido em uma palavra muito cara a nosso pai São Bruno e aos primeiros cartuxos: “quies”, isto é, o repouso espiritual.

- Se entendo bem, isso significa que todo o ambiente da Cartuxa tende a isso?

- A um clima de solidão e silêncio que elimina o barulho perturbador dos desejos e imagens terrenos. Se trata de uma atenção tranquila e sossegada da mente em Deus, favorecida pela oração e pela leitura pausada. Chega-se assim a essa “quies”, ou “repouso” da alma em Deus. Esse repouso divinizado, simples e gozoso faz com que a monja toque de alguma forma a beleza da vida eterna.


 

D. Fidelidade à Cruz


 

- Vocês têm a fama de serem muito penitentes.

- Sobre o tema das penitências da Cartuxa, como sobre tantos outros, existem as ideias mais estranhas. Para nós as penitências são simples “meios para aliviar o peso da carne para poder seguir o Senhor mais prontamente”, como dizem os nossos Estatutos.

- Mas vocês sabem que hoje em dia a penitência individual não é considerada um meio infalível... Vivemos em um tempo de comprensão e diálogo.

- É, nos dias de hoje, a penitência e, em geral, tudo o que supõe sacrifício e abnegação, é malvisto; costuma-se falar disso com notável inconsciência. Mas todo o mundo acha razoável que um esportista se prive de muitas coisas boas e submeta o seu corpo a duros treinamentos.

- Vocês, monjas cartuxas, desejam viver segundo o “homem novo” da Sagrada Escritura. Pode me dizer precisamente quais são as penitências básicas?

- A separação do mundo, da família, dos amigos, a falta de notícias e de passatempos... São privações que talvez custem mais às noviças. Tem também o sono dividido em dois tempos, a simplicidade no vestir, a frugalidade na alimentação...

- O que vocês comem?

- Nós nunca comemos carne. O café da manhã consiste em uma bibida quente e pão. Ao meio-dia temos um almoço à base de massas ou arroz, hortaliças, legumes, peixe ou ovos, queijo e fruta. No fim da tarde, fora os dias de jejum, o jantar é sopa, um ovo, queijo e fruta.

- Os dias de jejum?

- Os jejuns começam no dia 15 de setembro e duram até a Páscoa. Nesse período o jantar se reduz a uma sopa ou salada, pão e fruta.

- Na sexta-feira vocês têm um regime especial?

- Geralmente, na sexta-feira observamos a abstinência. Nesse dia não comemos ovos, nem peixe, nem lacticínios. Na Sexta-Feira Santa e na Quarta-Feira de Cinzas fazemos jejum a pão e água.

- As aspirantes e as noviças são obrigadas a seguir todas essas páticas de jejum?

- A adaptação ao nosso gênero de vida requer tempo e prudência. Por isso, as aspirantes e as noviças se iniciam progressivamente em nossos usos e costumes, sob o controle e a vigilância da Mestra de noviças, que as aconselha.

- E as doentes?

- Os nossos Estatutos dizem: “Se em alguma circunstância ou com o passar do tempo uma monja percebesse que alguma de nossas observâncias supera as suas forças e, em vez de impulsioná-la, a atrapalha na sequela de Cristo, então, com confiança filial, trate do assunto com a sua priora e com ela decida a medida oportuna para si, ao menos temporariamente”.

- É permitido fumar?

- Pelo espírito de abnegação e pobreza, escolhemos renunciar ao tabaco.

- Resumindo...

- São esses os aspectos mais marcantes da ascese cartusiana. A Ordem os julga suficientes e, com um grande senso de prudência, ordena formalmente que “ninguém se entregue a práticas de penitência fora dos indicados nos Estatutos sem o conhecimento e a aprovação da parte de sua priora”. A Cartuxa herdou de São Bruno a sua moderação e seu equilíbrio. Em sua carta ao amigo Raul, ele descreve com entusiasmo a amenidade das paisagens da Calábria e, se seu amigo se admirara dessas expansões menos espirituais, explica: “a nossa frágil mente, fatigada por uma austera disciplina e pela aplicação aos exercícios espirituais, muitas vezes com essas coisas encontra alívio e readquire vigor. Na verdade, o arco sempre tenso perde a força e torna-se menos apto para o seu ofício”.

- Para concluir este tema, quais são os principais traços do espírito cartusiano?

- A união com Deus, tender à oração contínua na solidão e no silêncio, a “quies” (repouso contemplativo), a simplicidade de vida, a austeridade: estes são os traços principais do espírito cartusiano, que coincidem com as linhas mestras da espiritualidade do deserto.


 


 

5. As peculiaridades da Cartuxa


 

A. A monja cartuxa, uma eremita integrada em uma família monástica


 

- De tudo o que falamos até agora, posso perceber que o que é mais característico na vida cartusiana é viver na solidão e no silêncio uma verdadeira comunhão de solitários para Deus. Eu li em algum lugar que dentre todas as Ordens monásticas, pelo menos no Ocidente, vocês são a que vive a vida eremítica mais puramente.

- É provável. Esse é o traço marcante da nossa identidade e o nosso carisma específico.

- Mas esse carisma de solidão não corre o risco de talvez obscurecer aspectos importantes e evangélicos como o amor e o serviço ao próximo? São Basílio, o pai do monaquismo oriental, dizia: “Como posso lavar os pés dos meus irmãos se vivo trancado em um ermo?”.

- Tudo bem, mas não podemos esquecer que, na Igreja, como dizia São Paulo, os membros não têm todos a mesma função. “A vida das monjas cartuxas é consagrada ao louvor de Deus e à oração de intercessão por todos os homens”.

- E daí?

- Daí que, embora o nosso carisma específico não preveja a assistência dos enfermos, nem a publicação de livros, nem o ensino, a Cartuxa não é uma instituição puramente eremítica; a vida solitária é equilibrada por uma parte importante de vida comunitária que também é parte essencial do nosso carisma.

- Ah, é?

- É. E isso desde o começo da Ordem. Apesar da forte atração que São Bruno tinha pelo deserto, é certo que ele não foi um solitário do estilo tradicional, como os eremitas Paulo, Antão e Bento o foram: estes iniciaram a vida monástica vivendo completamente sozinhos no desecto. E São Bruno? Nunca esteve sozinho, pois o acompanhava sempre um grupo de amigos que compartilhavam o seu ideal.

- Esse é um detalhe interessante.

- Para nós é importante viver como eremitas em nossas celas, mas formando ao mesmo tempo uma família unida no interior do mosteiro. Nos séculos passados se usava o termo “família” para designar as comunidades cartusianas, por causa do número reduzido de seus membros. Hoje os nossos Estatutos fazem o mesmo.

- Como esse aspecto “familiar” é vivido na prática?

- A liturgia é o fundamento da nossa vida de família. “Quando nos reunimos para a santa Eucaristia, em Cristo presente e orante se consuma a unidade da família cartusiana”. Podemos dizer o mesmo dos Ofícios de Matinas e de Vésperas, que nos reúnem todos os dias na igreja. Nos domingos e solenidades, o almoço no refeitório e o encontro comunitário oferecem o consolo prórprio da vida de família. Além disso nos encontramos para o Passeio semanal. Esse conjunto dá à vida eremítica cartusia um ambiente familiar, humano e evangélico que nos ajuda a conservar um saudável equilíbrio.


 


 


 

B. A cela


 

- Você citou várias vezes a “cela” como se fosse uma coisa especificamente cartusiana. Como é a cela do cartuxo?

- Sim, em uma cartuxa, a “cela” é algo muito característico. Basicamente, as celas de todas as cartuxas são compostas dos mesmos elementos, mas a disposição interna pode variar.

- Pode me descrever brevemente as celas?

- A palavra “cela” evoca espontaneamente a ideia de um único cômodo. Na verdade, a cela cartusiana é uma pequena casa de um ou dois pavimentos. É um sinal de unidade o fato de que cada “casinha” individual esteja unida às vizinhas por um claustro – que é um longo corredor, geralmente em forma de quadrilátero.

À entrada de cada cela preside um crucifixo e uma estátua da Santa Virgem. Quando entra em sua cela, a monja reza sempre uma Ave Maria.

No cômodo principal, a monja reza, faz suas refeições e dorme. Esse local é chamado “cubiculum” e é mobiliado com um oratório, uma mesa, um armário e uma cama. Uma porta dá para um pequeno banheiro. O outro cômodo, bem iluminado, é o atelier, onde a monja pode realizar diversos trabalhos para os quais dispõe dos instrumentos necessários. De frente a esses dois cômodos há um pequeno jardim.

Essa é a cela cartusiana. Alí a monja passa os seus dias, os seus anos, em silêncio, a sós com Deus. Alí ela toma suas refeições sozinha, exceto aos domingos e solenidades, nos quais almoça no refeitório com a comunidade.

O cuidado com o jardim, que cada uma cultiva segundo os seus gostos e as necessidades da comunidade, serve tanto como exercício físico, como uma tranquila recreação e distensão espiritual.

- A cela é um céu ou um purgatório?

- O dom mais precioso nessa vocação é o de ter recebido este chamado: o de viver só, para Deus. Os monges de todas as épocas experimentaram e cantaram a beleza da vida na cela, ao longo dos dias vividos na intimidade do Senhor. Os nossos Estatutos se unem a essa longa tradição monástica dizendo: “Alí Deus e seu servo se entretêm em frequentes conversas, como fazem os amigos. Alí, a alma fiel se une ao Verbo de Deus, a esposa ao Esposo, a terra ao céu, o humano ao divino”.

- Ok, mas devido ao ambiente cheio de barulho, de imagens e distrações característico da nossa sociedade, não fica difícil para as jovens adaptar-se a uma vida de silêncio e de solidão tão estrita como a de vocês?

- Normalmente a cela exige para a noviça um processo mais ou menos longo e penoso de adaptação – ou melhor, eu diria de desintoxicação – para deixar que o silêncio entre no profundo de si mesma, acalmar a fantasia, os afetos, os sentimentos, até alcançar o repouso da mente, concentrar-se no essencial, nos valores transcendentes que, definitivamente, são os únicos que podem saciar os desejos mais profundos da alma.

- Que conselhos daria a uma jovem que chega do mundo e começa a viver a sua nova vida de eremita na cela, uma vida tão diferente da que viveu até então?

- Primeiro, que ponha a sua confiança em Jesus. Se foi Ele quem fez nascer a sua vocação, Ele mesmo a levará a bom termo. Segundo, que confie igualmente na Mestra de noviças, que lhe indicará prudentemente os horários precisos para ocupar seus dias de forma organizada e útil; ensinar-lhe-á também a lutar contra as tentações de desânimo, a habituar-se pouco a pouco a uma tranquila escuta do coração e a deixar que Deus entre em seu intimo.


 


 

C. Os horários da Cartuxa


 

a. O Ofício noturno: Matinas e Laudes


 

- Parece-me que os horários da Cartuxa sejam um pouco estranhos, não?

- É, são um tanto originais.

- A que horas vocês vão dormir?

- Às 19h30min ou 20h. No verão, a essa hora, o sol ainda está acima do horizonte.

- Deitar para dormir às 19h30min ou 20h! E a que horas se levantam?

- Considerando as ligeiras diferenças entre uma casa e outra, nos levantamos geralmente às 23h45min. A essa hora o sino da igreja chama para a oração.

- Então o dia da monja começa às 23h45min da noite?

- Isso.

- E o que fazem as monjas a essa hora?

- Elas vão ao oratório e começam a sua missão de louvor rezando as Matinas do Ofício da Bem-Aventurada Virgem Maria.

- Já começam bem o dia!

- Por volta da meia-noite e quinze o sino toca de novo e toda a comunidade se dirige à igreja pelos claustros solitários e pouco iluminados.

- E chegadas à igreja...

- Arrumamos os livros nas estantes do coro, apagamos as luzes e entramos em um profundo silêncio. Ao sinal, inicia-se o canto das Matinas.

- O que são as “Matinas”?

- “Matinas” ou “Vigília noturna” é uma parte na nossa liturgia comunitária em que se alternam salmos e leituras tiradas da Sagrada Escritura ou dos Padres da Igreja. A salmodia é calma e meditativa. Nos domingos e em outros dias festivos importantes, as Matinas terminam com a leitura do Evangelho do dia. Nos outros dias terminam com preces de intercessão pelas necessidades da Igreja e do mundo. Segue-se então o Ofício das Laudes, que termina com o canto do Benedictus, uma antífona em honra à Virgem Maria e a oração do Angelus da noite com lentos toques de sino.

- E aí volta-se para a cela para dormir de novo?

- Ainda não. Chegando na cela, rezamos as Laudes do Ofício da Bem-Aventurada Virgem Maria. Depois, nos deitamos sem demora.

- A que horas?

- Isso depende da duração dos Ofícios, que pode ser de duas a três horas.

- E por que tudo isso?

- Porque a noite, segundo o testemunho da Sagrada Escritura e a sensibilidade dos antigos monges, é um tempo especialmente favorável ao recolhimento e à união com Deus. Por isso, na Cartuxa, temos uma predileção especial por essas oras de louvor noturno.

 

 

b. A manhã

 

- E a que horas vocês acordam de novo?

- Nos levantamos de maneira a estar prontas às 7h para rezar o Ofício de Prima, seguido de um momento de oração antes da Missa conventual.

- A que horas é a Missa?

- Às 8h nos reunimos na Igreja para a celebração eucarística. Essa Missa é sempre cantada, com o canto gregoriano, e dura aproximadamente uma hora.

- E quando a Missa acaba?

- Ao voltar da Missa, rezamos a Hora de Terça, e depois, até o meio-dia, o tempo é dividido entre a “lectio divina”, o estudo e o trabalho manual.

- E ao meio-dia?

- Ao meio-dia, depois de ter rezado a Hora de Sexta, seguida do Angelus, almoçamos na solidão, exceto nos domingos e solenidades.

- E depois do almoço?

- Dispomos de um pouco de tempo de distensão: passeio ou trabalho leve no jardim, ou então arrumação e limpeza da cela... Depois rezamos a Hora de Nona, seguida de um tempo dedicado ao trabalho manual até às Vésperas.

- Esses horários não mudam nunca?

- Mudam. Nos domingo s e solenidades, a Hora de Nona é cantada na igreja. Depois vamos ao “Capítulo”, onde escutamos uma leitura do Evangelho ou dos Estatutos. Depois do Capítulo temos um encontro fraterno.


 

c. Tarde e noite


 

- Como vocês passam a tarde e o fim do dia?

- Depois de termos rezado Nona e até quinze minutos antes das Vésperas, consagramos o nosso tempo ao trabalho manual. O Ofício das Vésperas dura meia hora; é composto por um hino, quatro salmos com as respectivas antífonas, uma leitura breve, um responsório e o Magnificat; acaba com as preces de intercessão e com o canto da Salve Regina, cujos texto e melodia são ligeiramente diferentes dos do rito romano. Depois das Vésperas o tempo é consagrado aos exercícios espirituais. As jovens em formação alternam, assim, estudo e espiritualidade.

- A que horas vocês jantam?

- O jantar, ou, nos dias de jejum, o “lanche”, se fazem geralmente às 18h.

- O que fazem as monjas depois do jantar?

- Nesse momento, assim como depois do almoço, sobra um tempo livre.

- Como se termina o dia?

- Às 19h o sino toca o Angelus da tarde. As monjas podem prolongar a oração ou a leitura espiritual ainda por uma hora, mas é aconselhável não demorar para deitar-se. O dia acaba com a oração de “Completas”, Hora do Ofício na qual se agradece a Deus por todas as graças recebidas durante o dia e se lhe suplica proteção para a noite que está chegando. Assim terminamos, entre as 19h30min e as 20h, o nosso dia vivido na espera da vinda do Mestre.


 

d. Horários em função da vida litúrgica


 

- Suponho que os seus horários sejam estabelecidos em função da vida litúrgica. Certo?

- Isso mesmo. As Matinas no coração da noite, a Missa conventual de manhã cedo e as Vésperas à tarde, dão ritmo ao dia; esses Ofícios são os momentos fortes, nos quais as monjas deixam as suas celas para ir à igreja.

- Que lugar ocupa a liturgia na vida da monja cartuxa?

- A nossa vocação é ser com o Cristo e no Cristo um louvor a Deus Pai, através do nosso ministério de louvor e de intercessão. A Eucaristia, celebrada e cantada em melodias gregorianas a cada manhã em comunidade, é, segundo os nossos Estatudos, “o centro e o cume da nossa vida”.

- E o Ofício Divino?

- A monja cartuxa reza boa parte do Ofício divino sozinha na cela, mas sabe bem que a sua voz não é uma voz individual, isolada, perdida na imensidão do mundo, mas que é a mesma oração de Cristo e de toda a Igreja. Sim, na liturgia, o Cristo, na qualidade de Cabeça, reza em nós, de modo que nele nós podemos reconhecer a nossa voz, e em nós a sua.


 

D. As origens da Ordem da Cartuxa


 

- Antes de terminar, faço-lhe uma pergunta elementar: o que é a Cartuxa?

- É uma Ordem monástica nascida no final do século XI, um caminho evangélico que percorreu mais de nove séculos.

- Quem é o fundador?

- Mais que um “fundador”, eu diria o “iniciador” deste gênero de vida foi São Bruno, nascido em Colônia, Alemanha, por volta do ano 1030. Foi estudante, depois cônego e reitor da famosa escola catedralícia de Reims. Com seis companheiros, retirou-se em um lugar solitário e escondido nos Alpes do Delfinado, o maciço de Chartreuse (Cartuxa), a uns trinta quilômetros de Grenoble. A casa geral da Ordem se encontra ainda hoje naquele lugar.

- Porque vocês dizem que São Bruno não foi o fundador da Ordem, mas o seu iniciador? 

- Porque, na verdade, ele não escreveu nenhuma regra monástica. Além no mais, não permaneceu por muito tempo no eremitério de Chartreuse. Solicitado pelo Papa Urbano II, que havia sido seu discípulo em Reims, teve de ir a Roma e acompanhar o Papa em seus deslocamentos pela Itália meridional. Urbano II compreendeu o carisma de São Bruno, que era profundamente atraído pela vida eremítica, e autorizou que se retirasse novamente em um lugar solitário da Calábria, em Santa Maria da Torre. Lá fundou com outros companheiros um ermo similar ao de Chartreuse. Alí morreu em 1101, e alí seus restos mortais repousam. Mas foi a primeira fundação da Cartuxa, nos Alpes franceses, que conservou o seu espírito e, com o passar dos anos, se converteu na Ordem monástica dos Cartuxos.

- E as monjas cartuxas? Quem é a sua fundadora?

- Também nós, monjas cartuxas, somos filhas de São Bruno. Por volta do ano 1145, uma comunidade de monjas de Prébayon, no sul da França, atraída pelo gênero de vida da Cartuxa, decidiu adotar os “Costumes” dos monges. O Capítulo Geral lhes concedeu a filiação. Desde então a Cartuxa constitue uma única família composta por um ramo masculino e um ramo feminino.


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